Colisão de Mundos (crônica longa e inédita)


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Os professores passam por nossas vidas de estudante, sendo que nós, alunos, passamos aos milhares na vida dos professores, que são únicos e memoráveis, de um jeito tão, mas tão especial, que sequer dão conta... Nos conhecem durante nosso crescimento pessoal, de modo que acabam por nos conhecer em toda fase da vida, assistindo nossos 'ritos de passagem', da inconsequência da adolescência até a consciência adquirida à vida adulta.


Link Filme completo - Mr Holland, adorável Professor: https://www.youtube.com/watch?v=dk3d-MaOhw4


Um fato curioso é o antigo hábito de se dar uma maçã ao professor(a) favorito, em forma de um gesto bonito para demonstrar afeto: a única fruta que simboliza o pecado original, cuja mordida neste fruto fez Eva levar Adão consigo e assim serem expulsos do paraíso, justamente por ter burlado a regra de comer da árvore que a cobra usava seu tronco como moradia. Essa mesma árvore, supostamente a do Conhecimento, é mais uma alegoria da ilusão, que paradoxalmente comer de seu fruto levará à condenação cognitiva.


Quando vamos para a escola, ainda recém-saído-das-fraldas, nossos pais ou nossas babás nos levam pela mão, carregando nossas lancheiras com nossos suquinhos preferidos, nossas toalhinhas para tomar banho e nossa esteira, para tirar o cochilo-da-tarde depois do filminho assistido em plena sala de aula. Quem nos recebe são os professores, esses que respondem pelos alunos, se ele cair e se machucar, se deixou de comer (ou se comeu o lanche do amiguinho), se ele brigou e mordeu a amiguinha, dentre tantas responsabilidades. Enquanto o neném ainda atua como tal, sequer tem responsabilidades pelos seus próprios atos.


Chega-se então na fase pré-adolescente; sou do tempo que existia a 5a série, a se iniciar geralmente entre os 9 ou 10 anos de idade. Depois dos 7 anos, a criança já se acha muiiito esperta, já tendo suas roupas preferidas em termo de estilo fashionista, suas comidas favoritas em termos de paladar gastronômico pessoal, seus brinquedos favoritos. Pensando que já viveu-muito-nessa-vida, algumas crianças já falam e pensam como mini-adultos, tamanha consciência de si frente ao mundo. Há até mesmo crianças que já tenham pedido a mão da amiguinha em casamento. Outros já crescem questionando tudo e todos ao redor, onde respostas como sim-porque-sim não cola, e, por isso, são taxados de rebeldes ou 'difíceis', só porque não é 'obediente'. Mais uma vez, a enxurrada de crianças chegam nas mãos dos professores, cada um com sua bagagem-de-mão-pessoal.


A essa altura do campeonato, é tanta matéria para estudar, como física, química, matemática, português, inglês, algumas até francês, biologia, história, etc. etc., sendo isso tudo somente o começo, sem direito a cochilo em sala de aula, se não é expulso. Sem direito a filminho, se não a escola ora é taxada de 'fraca' pelos pais, ora os alunos são taxados de distraídos e logo a pedagogia da coordenação encontra alguma sigla de forma a rotular a criança de ‘problemática', e assim dar o cartão de algum psicólogo aos pais, durante a reunião com os mesmos. Se comer lanche demais, correrá o risco de ser rotulado de 'gordinho' e, possivelmente, sofrer bullying. Não tendo companhia dos pais, muito menos babás, será o aluno mesmo a carregar sua mochila, que provavelmente pesará '1Kg' de livros de todas as matérias do dia em suas próprias costas, feito tartaruga. E ai de você, aluno, se esquecer de algum livro: os professores ficam tão irritados, talvez até se sentindo desprestigiados, que não pensarão duas vezes em dar uma advertência e proibirá de acompanharem a leitura com o amigo do lado. Para um olhar não profundo, parece até um exagero educacional tamanha reação. Afinal, são tantas matérias, tantos trabalhos, tantos testes, tantas provas e tanto, mas tanto conteúdo a estudar, que a impressão que dá, aos olhos dos alunos, é que há informação demais, como se cada professor quisesse uma atenção exclusiva, um 'lote mental', e que o aluno guarde tudo, tudo-tudo que eles dizem em seu cérebro, esquecendo que o aluno tem só 24h disponíveis, para mais de 13 matérias, sem contar com as atividades extra-classe, sou seja, suas vidas.


Aí, entra-se então à fase adolescente/jovem. No 'alto' dos seus 15 anos aproximadamente, o aluno agora 'já sabe tudo mesmo'. Teve que se virar para entender o mundo sozinho, visto que perguntar ou questionar os adultos ao seu redor não era aceito. Ou amam seus pais, ou os odeiam. Nascendo aqui a pergunta "para quê estudar tudo isso, se nunca vou usar na minha vida?", ou simplesmente o mantra colegial de "detesto matemática", os alunos ora decidem por colar só para passar, ora decidem virar 'cdf' e estudar muito. Os alunos de média 7, simplesmente cumprem seu papel para saírem do alvo da curva do desvio-padrão, e assim passam sem muito alarde ou atenção dos professores. Outros decidem fazer do colégio algo mais lúdico, como se apaixonarem pelos professores e assim 'matarem o tempo'. Há os professores austeros, que cobram e fazem uma pose de sérios, como forma automática de adquirir respeito. Outros parecem querer ter a idade dos próprios alunos adolescentes, falando assim sua língua e gírias, até mesmo não cobrando muito estudo. Outros já adotam o papel psicológico dos pais, se interessando pelo bem-estar dos alunos como mãezonas/paizões, dando conselhos, participando de suas vidas, os motivando a estudarem, principalmente. Há também os que só cumprem seu papel, enchendo o quadro inteiro de conteúdo puramente programático, apagando e tornando a encher, como se isso fosse auto-explicativo, repetindo o que consta nos livros.


Há os que observam, vendo aquele ser humano crescer, vir a formar seus valores. A meu ver, ainda muito mecânico, mil conteúdos, tendo a repetência como 'moeda de ameaça', em caso de iminente indolência/preguiça dos alunos estudarem. "Estuda logo, se não entender, decora pelo menos: passando, você nunca mais verá física na vida." Conselhos como esse, proveniente do mundo adulto e cômodo dos pais, são ouvidos por alguns filhos, em vez de criarem o estímulo dentro do jovem em se dedicar diante da vida, sendo as matérias a estudar seu primeiro teste. Esquecem que cada matéria tem, como função, serem o gatilho do que pode vir a ser a vocação pessoal de cada aluno, o princípio da auto descoberta; o ensinamento, em alguns casos, é justamente o contrário: a chantagem.


Os políticos praticam isso até hoje. O fatídico toma-lá-dá-cá. "Se você passar de ano, te dou uma viagem para a Disney". "Se você passar no vestibular, te dou um carro". A premiação não é por fazer bem feito, por ter se esforçado e assim ter se auto descoberto. A premiação é por 'não dar trabalho' para o adulto. Somente na faculdade, lá pelos 18, 19 anos de idade, é que se estuda o que se quer, o que gosta. Optando só por uma das 15 matérias, o jovem sairá formado e com uma expertise em um estudo aprofundado. O famoso 'bacharelado-em-alguma-coisa'. Sim, terão várias matérias de vários conteúdos programáticos, sendo que dentro de uma temática só. Não terá cadeira de química que opta por Administração, por exemplo. Os mergulhos são sim profundos, complexos, como uma matemática avançada, que agora ganha nomes como estatística e contabilidade. Mas a piscina a mergulhar é uma só. O mundo colidido torna-se mais simples, compreensível.


É nesse 'turning point', com esse poder de escolha nas mãos, que os alunos conhecem os professores apaixonados. Professores estes que sabem do que estão falando por experiência, por terem podido também escolher seu rumo, porque praticam o que falam e ensinam, no ambiente externo da vida, fora da sala de aula. Aplicam na prática todo conteúdo ensinado nos quadros, que agora se tornam às vezes obsoletos, onde powerpoints se tornam sua ferramenta de trabalho. Profissionais no horário comercial, mestres depois dos seus expedientes. Em alguns casos, são tão apaixonados pelo que fazem, que viram 'colecionadores', onde títulos de pós-graduação e cursos de MBA viram figurinhas de álbum no jogo de Trunfo 'da vida', só para serem melhores professores.


Link - Filme Sociedade dos Poetas Mortos(1989) - Trailer legendado: https://www.youtube.com/watch?v=2j8xOH0udMA


Serão eles a despertarem os alunos do sono profundo dos tempos de colégio, do automatismo. Serão eles a sacudir o mundinho safe place de casa-colégio-cursinho de inglês-casa e assim despertarem o ser humano para se tornarem profissionais, e assim acompanhar a vida desse aluno a ganhar as ruas para buscarem e conseguirem seu primeiro estágio, seu primeiro emprego. São eles a explicitarem sua paixão pelo que fazem e ensinam, que despertarão no coração do aluno a sua real vocação. Para muitos pais, não há interesse na vocação, e sim no que-dá-dinheiro. É assim que, para os pais, se escolhe uma profissão. "Quer fazer cinema? Está maluco? Vai morrer de fome e acabar morando conosco após os 40 anos, fracassado. Faz engenharia, direito, medicina. Terá emprego para a vida toda, confia no que estou falando". Quando ouço algo do tipo, me vem à cabeça: é, levante a mão para o céu e agradeça por alguém cometer um crime, pois assim seu empreguinho de advogado está garantido. Torça para dar algo errado na vida de alguém, que assim você terá no que trabalhar, seja defendendo o bandido ou o injustiçado.




Alguns alunos decidem se formar no colégio e partir para outra escola, a da vida mesmo. Burlando o sistema de crenças, onde é taxado de zé-ninguém quem não tem diploma de nível superior, decide por colocar sua habilidade pessoal em prática e assim ganhar seu dinheiro, de modo livre e independente. Decidem eles mesmos fazerem seu rumo, pavimentar sua estrada, se tornando empreendedores e futuros empresários de si mesmos. Fazem da sua habilidade pessoal como fonte de renda, como arte, beleza, tino de comerciante, cabeleireiro, ou qualquer outra habilidade nata como seu modo de viver e assim serem remunerados, profissionalmente falando. Sem professores a darem exemplos, se tornam mestres de si mesmo. Sem chefes, sem ninguém mandando fazer o que acham que devem, contam com patrocínios de marcas para serem surfistas, músicos, atores, fazendo seu horário do jeito que decidirem. Escolhem seus trabalhos, sem autoimposição. São livres.


Tive, ao longo do tempo, muitos professores. Uma professora de biologia era tão, mas tão apaixonada por tubarões, que jurava que eles eram inofensivos, incompreendidos, e assim fez desse singelo animalzinho sua tese de pós-graduação, os defendendo com unhas e dentes. Essa mesma professora era capaz de desenhar no quadro, com perfeição, mil ilustrações do corpo humano e seus vários sistemas, sabia todos os detalhes que envolviam a reprodução de cada espécie que existe nesse mundo. Outra professora, esta apaixonada por literatura, acabou apaixonando todos os alunos da sala, fazendo cada um, de suas provas, quase um livro, de tanto que sabiam a matéria. Ler livros para testes nunca foi tão prazeroso. Outro professor, de matemática, que era 'a cara' do personagem de videogame Mario Bros, que, ao descobrir que os alunos brincavam de chamá-lo assim, secretamente, em vez de se irritar e expulsar da sala quem o chamasse de Mario, decidiu por usar a seu favor, incorporando o personagem ao ponto de usar o boné vermelho e até dar saltitos, atraindo assim a total atenção da turma, enquanto explicava tudo que conseguia sobre o conteúdo programático, tendo resultado final todo mundo sabendo o que mais temiam, os senos e co senos e logaritmos da vida.


Tive também uma professora de português, essa já na faculdade, ultrapassados os exemplos do colégio. Ela teve toda a paciência do mundo comigo, ao ponto de corrigir em vermelho gritante minhas redações, estas que eram preenchidas de pensamentos desconstruídos e fora de ordem, onde o fim era o início, me ajudando a organizar a 'bagunça criativa' das minhas ideias, que eram boas, mas até então incompreendidas, ao ponto de hoje, mesmo após anos sem contato com ela, fiz questão que ela ganhasse uma homenagem singela de agradecimento no meu primeiro livro, meu primeiro ensaio nesse mundo. O que antes era um tormento, a língua portuguesa brasileira e suas complexas palavras e estruturas gramaticais, hoje virou uma brincadeira apaixonantes, praticamente minha vocação.


Tive um professor de marketing, que era tão, mas tão apaixonado pelo que ensinava, que sabia e citava Kotler e sua bíblia/livro 'Administração de Marketing' pela página, sabendo cada item de cada capítulo, como quem sabia seu cpf de cor. Parecia que o livro era uma parte do corpo dele. Outro professor, de mercadologia, nos propunha desafiar os ambientes externos dos mercados, de modo a termos sempre a ousadia nas ações a serem planejadas e tomadas, e assim nos ajudava a criar anticorpos contra o lugar-comum. Tive também uma professora de psicologia, que nos mostrava de modo simples e direto nosso mundo interior, decodificando silenciosamente cada caixa-preta dos alunos, através de textos para leitura, conversas, atitudes corporais, dinâmicas lúdicas, tudo para uso de artifícios lúdicos e práticos da auto descoberta individual. Tive um professor que percebeu que matemática nunca fora meu forte, decidido então a dar um jeitinho de me ensinar, nem que fosse dando exemplos dentro do meu contexto de vida, meu mundo particular, ou então explicando incansavelmente a mesma coisa, de diversas formas diferentes, sempre muito paciente, só para que eu entendesse, em vez de repetir o que estava escrito no livro.

Outro bom exemplo foi uma professora de criatividade, que expandiu o universo interno de cada um, ao levar 'a sério' sua cadeira, através de trabalhos de grupo, o que poderia ter facilmente perdido o controle da situação e não ensinar nada em termos de conteúdo. O último exemplo foi uma professora de filosofia, que falava de um jeito calmo e doce palavras contundentes, de opiniões sólidas, citando pensadores tão antigos, de tempos de antes-de-Cristo, como que trazendo para o mundo atual, tornando Sócrates, Platão 'moderninhos', e assim dando a chance de cada aluno sair da sua caverna pessoal.


Aí o tempo passa, o aluno se forma, e sai da vista dos 'pais postiços', e ganham o mundo após passar pelas mãos desses educadores da vida. O resultado disso, quase nunca veem, 'no que aquele ser em desenvolvimento' se tornou. Sem saber, suas sementes foram plantadas no solo fértil. E sempre, sempre cresce algo, se tornando alguma planta ou árvore. Tudo dependerá do que o solo foi capaz de fazer com aquela boa semente. Agradeço eternamente pela sorte de ter tido pessoas que nos ensinaram gratuitamente o que sabem, repassando o conhecimento adiante, para quem quisesse aproveitá-lo. Claro que há quem jogue suas frustrações nos alunos, os perseguindo porque gostavam mais de seu irmão e assim projetou em você algo como cobrança ou comparações inúteis. Mas prefiro focar nos exemplos de mestres que ensinaram tudo que sabem, por amor ao conhecimento.

Link Pink Floyd-Another Brick In The Wall: https://www.youtube.com/watch?v=xpxd3pZAVHI

Por pura paixão pelo que fazem, esse brilho nos olhos e o suspirar profundo são as maiores lições e aprendizados, que alguém pode dar a outro alguém, nessa vida.